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Não me deixe sem ar

Empresas avançam na prevenção, mas doenças respiratórias ainda estão presentes no cotidiano dos trabalhadores de diversas áreas

Em 2017, a Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda concedeu 596 benefício acidentários a trabalhadores com patologia enquadradas no segmento “doenças do aparelho respiratório – CID-10 de J00-J99”. Dez anos antes, em 2007, o número de benefícios desta categoria estava em 21,687 mil. Analisando os dados, é de se imaginar que houve uma melhora extrema no controle de ocorrências, no entanto, as informações mensuradas pelo governo federal estão longe de retratar a realidade dos fatos. Na verdade, não há dados capazes de mostrar o quanto as companhias melhoraram na prevenção de doenças respiratórias e qual é o índice de patologias que ainda acomete os trabalhadores pelo Brasil

A presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), Márcia Bandini, conta que a ausência de informações se deve à redução na cobertura da fiscalização de empregos, por conta da falta de auditores nas Superintendências Regionais do Trabalho (SRTs). “Além disso, a fragmentação das cadeias produtivas e a terceirização de serviços dificultam o acesso aos trabalhadores expostos que estão, frequentemente, em micro ou pequenas empresas, muitas vezes familiares, por arranjos produtivos locais ou fora do alcance dos serviços devido à informalidade”, acrescenta.

Na mesma linha, Carlos Nunes Tietboehl, Coordenador da Comissão Científica de Doenças Respiratórias Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), afirma que, evidentemente, houve uma redução no número de casos em relação às condições de trabalho de antigamente, mas, de fato, falta fiscalização e as atividades ligadas a companhias de menor porte são as mais afetadas, como o garimpo.

A indústria extrativa, que contempla a exploração mineral, onde se enquadra o garimpo, está em destaque entre as fontes de exposição à poeira causadora de doenças respiratórias, de acordo com a fundação centro, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho. Outras áreas e atividades que também geram riscos e potencializam a ocorrência de patologias são;

– Construção civil: fundações, polimento do concreto.

– Jateamento de areia: manutenção de peças e estruturas metálicas,acabamento de peças em fundição.

– Indústrias cerâmicas: fabricação de pisos, azulejos e louças.

– Indústria metalúrgica: operação e manutenção.

– Indústria de borracha.

– produção, uso e manutenção de tijolos refratários.

– escavação de poços em solos que apresentam camadas de rocha ricas em quartzo.

– Beneficiamento de minerais em atividades de corte, polimento e moagem de pedras como granito, ardósia.

Patologias

As doenças respiratórias ocupacionais acontecem, principalmente, pela exposição contínua à poeira, gases ou agentes químicos. Segundo a pneumologia do Hospital 9 de julho, Suzana Pimenta, a inalação de poeira em ambientes de trabalho podem gerar as chamadas de pneumoconioses. “Algumas das mais frequentes são a asbestose (causada pelo pós de amianto) e silicose (acontece após a inalação de pó de sílica)”, cita. A silicose é uma doença irreversível, que leva à falta de ar progressiva e insuficiência respiratória crônica e pode ser letal.

Eduardo Capitani, médico do trabalho e docente da disciplina de pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta a ocorrência da asma ocupacional, que e desenvolvida pela exposição a substâncias químicas no ambiente de trabalho ou piorada por essas exposições. Algumas das causas são poeiras de algodão, silos de grãos, fabricação de ração de animais, pintura automotiva, indústria química em geral, indústria alimentícia, moagem etc.

“ Ainda existem os quadros de pneumonite química e irritação de vias aéreas superiores (bronquite), por exposição a substâncias químicas irritantes como ácidos fortes (clorhídrico, nítrico, sulfúrico), névoas contendo soda cáustica, amônia e gás cloro. São quadros que chamamos agudos, pois são causados por altas concentrações em curto período de tempo (minutos ou horas de exposição). Podem desencadear lesões cicatriciais nos brônquios e pulmões, com sofrimento crônico posterior”, explica Capitani.

A exposição em longo prazo pode levar ao desenvolvimento de outras doenças de maior gravidade. A especialista do Hospital 9 de julho comenta que, no caso da asbestose, o indivíduo exposto entre 10 e 20 anos pode desenvolver fibrose pulmonar, placas pleurais, derrame pleural e, na forma mais grave, um câncer na pleura chamado mesotelioma. Na silicose, a pessoa exposta pode desenvolver um tipo de fibrose pulmonar, além de ficar mais predisposto a doenças como tuberculose, esclerose sistêmica progressiva e câncer de pulmão.

Em situações como jateamento de areia e moagem de rochas, o período de exposição prejudicial, que seria a partir de 10 anos, pode se tornar mais curto e desencadear doenças de alta gravidade entre um e três anos, diz Capitani, pois nessas situações a concentração de poeira tóxica é muito alta. “Vale lembrar que existem pessoas mais sensíveis que a maioria, cuja doença pode se agravar em períodos inferiores à medida de exposição. essas pessoas são chamadas de suscetíveis e devem ser detectadas pelos serviços de saúde ocupacional utilizando os programas de monitoramento biológico das empresas”, alerta o médico. Tabagistas também estão no rol de funcionários suscetíveis.

Equipamentos de proteção individual e coletivo deve fazer parte de um programa de prevenção

O que fazer?

Para Suzana Pimenta, os empregadores devem oferecer exames periódicos como raio-x do tórax e prova de função pulmonar para rastreamento precoce de doenças e os primeiros sintomas são falta de ar e tosse seca. De maneira preliminar, ainda é possível diagnosticar o grau de insuficiência respiratória (dispneia) do trabalho com base nas informações sobre o cotidiano dele.

As empresas que tenham processo industriais gerados de exposições a poeiras e substâncias tóxicas lesivas aos pulmões devem, antes de mais nada instalar medidas de prevenção coletiva, como exaustão, para evitar a produção de aerossóis danosos ao trabalhador. Os equipamentos de proteção individual (EPIs) e os equipamentos de proteção respiratória (EPRs) devem fazer parte de um programa geral de prevenção.

“Outra medida que a empresa deve tomar, inclusive por força legal, é manter um programa de vigilância ou monitoramento biológico. No caso das doenças respiratórias, a realização periódica, de acordo com a NR-7, de radiografia de tórax que devem ser avaliadas por profissionais médicos treinados e capacitados para Leitura de Radiografias de Pneumoconiose conforme padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, destaca Capitani.

Conforme ele, quando detectada qualquer alteração nos exames o trabalhador deve ser imediatamente afastado daquela exposição e remanejado, no intuito de prevenir a progressão do problema.

No caso de ambientes onde a probabilidade maior é de ocorrência de asma ocupacional, o Serviço de Saúde Ocupacional deve estar preparado para o diagnóstico precoce através de questionários de sintomas aplicados periodicamente e realização de provas de função pulmonar, como a espirometria, também regularmente. “Esses atendimentos devem estar disponíveis ao trabalhador que eventualmente faltou ao trabalho por ter tido necessidade de procurar serviço de saúde por sintomas de broncoespasmo ( chiadeira no peito com falta de ar)”, explica Capitani. Caso comprovado o diagnóstico, esse trabalhador também deverá ser afastado definitivamente dos agentes causadores do problema e realizado em ambiente sem exposição.

Doenças respiratórias

O jateamento de areia seca ou úmida está proibido no Brasil desde o ano de 2004, pela Portaria SIT n.º 99, de 19 de outubro de 2004. A medida é considerada um importante avanço na prevenção da exposição de trabalhadores à poeira sílica. Nos casos em que a poeira ainda é gerada por outras fontes, a umidificação no ponto de geração evita que ela se disperse no ar.

Ainda assim, quando há ocorrência de qualquer doença pulmonar ocupacional, mesmo após a instalação das medidas coletivas de proteção, a empresa deverá avaliar com muito cuidado todos os trabalhadores daquele setor, reavaliar seus sistemas de exaustão através de seu setor de engenharia e de medições ambientais. Na hipótese da companhia não oferecer o suporte necessário ao trabalhador com patologia ocupacional , a presidente da ANAMT, Marcia Bandini, orienta a procura de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) ou do sindicato de sua categoria.

Tem saída

Por meio da Instrução Normativa nº1, de 11 de abril de 1994, o Ministério do Trabalho criou o Programa de Proteção Respiratória (PPR), que consiste em um conjunto de diretrizes aplicáveis às empresas com o objetivo de proteger os funcionários de doenças respiratórias ocupacionais. Basicamente, um PPR$ precisa conter as orientações sobre os seguintes pontos:

– Administração;

– Treinamento;

– Ensaios de vedação;

– Monitoramento das exposições ocupacionais;

– Seleção e distribuição do respirador;

– Monitoramento de uso de EPRs;

– Manutenção, inspeção, limpeza e higienização dos respiradores;

– Fontes e qualidade; dear/gás respirável;

– Armazenagem dos respiradores;

– Procedimentos de emergência;

– Problema especiais;

– Ações e cronogramas;

Funcionários de micro e pequenas empresas são os mais afetados por doenças respiratórias

A criação e a implementação das medidas podem ser feitas pelo empregador em parceria com o administrador do programa, que será o responsável pela gestão ao longo dos anos. O administrador tem carta branca para fazer levantamentos periódicos sobre a eficiência das medidas de prevenção e eventuais investimentos necessários, visto que este cargo geralmente é ocupado por um especialista da área de Saúde e Segurança no Trabalho (SST). na internet, a Fundacentro disponibiliza um guia oficial para download com todas as informações necessárias para a criação de um PPR. Na tentativa de minimizar as dificuldades das empresas, o coordenador da SNPT, Carlos Nunes Tietboehl, diz que entidade ministra palestras de conscientização para empregadores e funcionários sobre os riscos que as atividades profissionais podem gerar para a saúde e suas consequências, das mais ameaçadas às mais graves.

Mesmo sem ter registrado nenhum caso grave de doença respiratória ocupacional, a MPD Engenharia implantou o PPR em meados de 2008 e 2009 de maneira preventiva. A supervisora de segurança no trabalho da MPD, Engenharia Ida de Oliveira Sant’Ana Lopes, conta que o objetivo era monitorar os riscos e adequar os equipamentos de proteção, como máscaras, à necessidade dos trabalhadores. “fizemos análises sobre o índice de poeira respirada nas operações e tivemos bons resultados ao percebermos que a poeira estava em patamares aceitáveis para a respiração, mediante o uso de EPRs”, afirma a especialista. Ainda assim, foram feitos investimentos em equipamentos e maquinários, com coletores em obras de concreto aparente que careciam do uso de lixadeira. Além disso, a cada dois anos há um custo com análise e manutenção do programa. “Renovamos os exames de poeira e costumamos pedir exames de raio-x de tórax ou telemetria aos funcionários” cita.

A MPD Engenharia também mantém um projeto em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que apresenta algumas das técnicas preventivas aplicadas na empresa a estudantes. “Quando saiu nosso PPR fizemos isso, para mostrar a forma correta de uso dos equipamentos, por exemplo”, lembra a engenheira.

Sobre o mercado de construção civil em geral, os comentários que chegam aos canteiros de obras da MPD indicam que as companhias costumam aplicar ferramentas de segurança no trabalho, mas nem sempre com os mesmos cuidados ou programas bem definidos. “Esse feedback é muito claro entre os terceirizados, que muitas vezes nos agradecem por terem voltado às nossas obras por se sentirem confortáveis com as medidas adotadas pela MPD”, comentou.

Fora do trivial, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Cerâmica, Construção e do Mobiliário de Limeira, Cordeirópolis, Rio Claro, MOgi-Mirim e Santa Gertrudes (Siticecom) Ademar Rangel da Silva, implementou um projeto que conseguiu extinguir os casos de silicose na região. O setor de cerâmica de Santa Gertrudes Produz 60% de pisos cerâmicos do Brasil e da América Latina. Cerca de sete mil trabalhadores atuam nessa área considerada de risco, porque a argila de placas cerâmica contém sílica.

“Tivemos um problema muito sério com a poeira sílica. Cerca de 10% dos trabalhadores da categoria tinham o diagnóstico de caso concreto de silicose, era um número assustador de pessoas. Então, começamos a trabalho de conscientização com cada empresae, em meados de 2009, depois de muitas reuniões conseguimos formalizar um tema de compromisso envolvendo o Ministério Público, a Fundacentro e o Sindicato. Desde então, o Siticecom tem o poder de ir até as companhias e escolher três funcionários para fazer avaliações na Unicamp. Fazemos isso mensalmente e , assim, conseguimos identificar problemas respiratórios que estavam no início e podiam ser revertidos. Hoje, não temos praticamente nenhum caso de silicose”, conta Silva.

No País, estima-se que mais de três milhões de trabalhadores do mercado formal de trabalho estão expostos a poeiras contendo sílica, por pelo menos 30% da jornada de trabalho. Os homens apresentam prevalência de exposição muito maior do que as mulheres. No setor informal, que abrange os trabalhadores sem carteira assinada ou vínculo contratual de trabalho este número parece ser muito maior. A sílica (SiO2) é um composto natural formado pelos elementos químicos oxigênio e silício, encontrado na maioria das rochas, constituindo cerca de 60% da crosta terrestre, explica a Fundacentro, daí a necessidade de redobrar os cuidados.

Fonte: Revista CIPA – ano 40

Nº 469 – outubro de 2018

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